Nas linhas abaixo resumirei a noção de senso comum no sentido rígido como ‘critério
final de aceitabilidade filosófica e científica’ desenvolvida pelo filósofo
estadunidense David Ray Griffin, Ph.D., Claremont
Graduate University. O raciocínio de Griffin nos faz refletir sobre certos problemas de adequação no discurso de
materialistas perante certas noções que todos nós inevitavelmente adotamos na
prática para regular nossas vidas. Tais problemas, no mínimo, rebaixam materialistas
ao status de fraudadores da própria
teoria que verbalmente defendem.
1. Introdução
A ideia que a maioria das
pessoas tem é que o senso comum é falível, havendo diversos exemplos na
história da ciência em que o desenvolvimento teórico e a experimentação
provaram que crenças populares foram mostradas falsas, tais quais o modelo
cosmológico do geocentrismo e a planicidade da Terra. Essas crenças puderam ser
abandonadas porque as hipóteses que as substituíram responderam tanto pela
experiência que permitiu aquelas convicções, como também por fatos adicionais
que o senso comum era incapaz de esclarecer.
No caso da planicidade da Terra, por exemplo, Aristóteles já apresentava alguns
dados empíricos que a refutavam, a exemplo da visibilidade das constelações ser dependente da posição geográfica do
observador e da sombra arredondada da
Terra na Lua durante o eclipse lunar. Sobre o geocentrismo, a astronomia
telescópica de Galileu permitiu certas observações incompatíveis com o modelo
geocêntrico, como Júpiter ser o centro
das revoluções de seus respectivos satélites e a existência da fase cheia de Vênus. É dizer, as novas
interpretações do conjunto dos dados, esfericidade
da Terra e heliocentrismo, deram cabo não apenas das experiências perceptivas
que permitiram a convicção na planicidade
e no geocentrismo, como também de
observações adicionais inconciliáveis com os modelos ultrapassados. Em tais
casos, Griffin diria que o senso comum está num sentido suave (ou soft-core common
sense).
O conceito de senso comum rígido (ou hard-core common sense), por outro lado,
parte do princípio de que existem algumas noções universais as quais todos
os seres humanos inevitavelmente pressupõem na prática, ainda que eles as
neguem verbalmente. Griffin observa que, quando concordamos que a ciência
tem falsificado o senso comum suave, nós devemos continuar acreditando que ela
assim persistirá fazendo. No entanto - diz ele - essa admissão não permite
concluir que a ciência deve nos levar a duvidar das noções de senso comum
rígido, porque elas são pressupostas na prática da própria ciência. Elas
fornecem o "último apelo" para o qual toda teoria, incluindo a teoria
científica, deve curvar-se.
2. Principais noções de senso comum rígido negadas por
materialistas
O assunto pode estar um pouco nebuloso neste início. Vamos então
exemplificar algumas das principais noções de senso comum rígido para entender porque elas devem ser consideradas como o critério final para qual toda teoria,
inclusive a científica, deveria se adequar. Das três noções abaixo, as
duas primeiras serão analisadas, respectivamente, pela visão de diferentes
tipos de materialistas (eliminativo e
epifenomenalista), e a última aponta
uma noção (a liberdade) que todo
materialista deve (ou deveria) explicitamente negar.
Apesar de haver uma negação verbal dessas noções, todos os seres humanos
(inclusive materialistas eliminativos e epifenomenalistas) inevitavelmente as
pressupõem na prática, o que revela, no mínimo, a insuficiência de suas
teorias. Nas palavras de Alfred N.
Whitehead: “o que quer que seja
encontrado na ‘prática’ deve situar-se no âmbito da descrição metafísica.
Quando a descrição não inclui a 'prática', a metafísica é inadequada e requer
revisão” (Apud Griffin, p. 18)[1].
1ª noção - a realidade da experiência
consciente. Alguns materialistas abraçam um modelo eliminativo e assim
negam a realidade de suas próprias experiências (a exemplo de Daniel Dennett e
Georges Rey). Eles entendem que uma vez explicados todos os problemas fáceis da consciência toda a
ciência da mente está resolvida, não existindo um fenômeno chamado experiência para ser explicado. Eles
afirmam que aquilo que não pode ser externamente analisado não pode ser real.
Outros verbalmente admitem a realidade da experiência, mas a identificam com
alguns dos problemas fáceis (como
reportabilidade e focalização de atenção), o que equivale, no final das contas,
a negar a experiência (ela não é
tomada como um fenômeno em seu próprio direito) [para saber mais sobre o que é experiência,
veja o post 'A experiência consciente em David Chalmers: uma pedra no sapato
do materialista'].
Essas posições materialistas são verdadeiramente espantosas, porque a
única coisa que temos acesso direto é a experiência. Por
exemplo, quando você observa uma 'rosa vermelha', a forma, dimensões e cor
vermelha desse objeto integram a experiência de enxergar 'rosa
vermelha'. Da mesma maneira, a sua fragrância, a aspereza de suas pétalas, a
rigidez de seu caule e a agudeza de seus espinhos, são todas experiências
(do tipo sensorial). Do ponto de vista materialista, sua experiência daquela
'rosa' (que engloba experiências visuais, olfativas, tácteis, etc.) segue, resumidamente,
o seguinte roteiro: os canais sensoriais de seu corpo são estimulados por inputs externos, tais estímulos são
transformados em impulsos eletroquímicos que sobem o sistema nervoso periférico
até o cérebro onde acontece a experiência
relacionada àquela rosa (você a enxerga como vermelho e visualiza dimensões e
formas, sente um odor específico, a aspereza das pétalas e a agudeza de seus
espinhos, e assim seguem outras modalidades de experiência). Em outras
palavras: seu corpo/cérebro cria uma simulação do objeto externo e ficamos
vendidos quanto à certeza de saber se a simulação corresponde a uma cópia fiel
da coisa simulada [para mais detalhes, veja 'O Materialismo e a negação da realidade do mundo exterior']. O fato de reportarmos a experiência da mesma 'rosa' de
maneiras semelhantes não significa que a aparente regularidade da experiência
implica que os nossos corpos estejam fielmente simulando o objeto como ele é em
si mesmo, pois, considerando que todos nós compartilhamos estruturas
isomórficas, podemos igualmente compartilhar as mesmas limitações no processo
de simulação do mundo externo.
A única certeza que temos, de fato, é que estamos experienciando aquela
'rosa' (ou qualquer outra coisa do mundo externo) do jeito que a estamos
experienciando. Numa perspectiva materialista, conhecer a realidade de um
objeto externo tal como ele é em si mesmo é algo inatingível, porque todo o
conhecimento do mundo é mediado pelo corpo. O materialismo, assim, implica uma
duplicação epistemológica do Universo que nos circunda. De um lado, temos o
mundo como ele é em si mesmo (para todo o sempre inatingível em razão do acesso
indireto que temos dele) e, de outro, o mundo tal qual o experienciamos, com
todas as suas regularidades, ainda que não correspondam fielmente às
características inerentes a ele. A consequência mais relevante disso tudo é
que as observações empíricas subjacentes à prática da própria atividade
científica recaem sobre o 'mundo da experiência', sendo bastante contraditório
alguém negar verbalmente a realidade da experiência quando, na prática de todas
as atividades humanas, inclusive na prática da experimentação científica, todos
nós inevitavelmente pressupomos experiência.
2ª noção - a eficácia da experiência
sobre o nosso comportamento corporal. Alguns materialistas adotam uma
versão epifenomenalista sobre a experiência e, apesar de admitirem sua
realidade, negam que ela possa ter algum poder de influência sobre o corpo.
Essa é outra alegação materialista que colide frontalmente com mais uma de
nossas noções de senso comum rígido.
A ideia que um epifenomenalista tem é que estados físicos causam estados
fenomenais, i.e., estados de experiência (upward causation), mas não o
contrário (downward causation). A relação entre cérebro e consciência
seria, assim, algo assimétrico e unidirecional. Por exemplo, a experiência
de decisão (tal como sobre 'o restaurante que você está almoçando', 'o
livro que está lendo', 'a roupa que está vestindo agora', etc.) seria, para o
epifenomenalista, um subproduto da maquinaria neural sem qualquer papel
causativo. É como a sombra que acompanha nossos corpos. Ela existe, mas é algo
totalmente ineficaz em nosso funcionamento. Chalmers (2010[2])
esclarece esta espécie de materialismo da seguinte forma:
"[...]estados fenomenais não têm efeito sobre nossas ações,
fisicamente interpretadas. Por exemplo, uma sensação de dor não irá desempenhar
nenhum papel causal na minha mão se afastando de uma chama; a minha experiência
de decisão não vai exercer nenhum papel causal em minha mudança para um novo
país; e uma sensação de vermelho não vai exercer nenhum papel causal na minha
elocução 'Eu estou experimentando vermelho agora'".
No entanto, conforme esse filósofo reconhece, "essas consequências
são muitas vezes consideradas obviamente falsas ou, pelo menos, inaceitáveis". Epifenomenalistas podem responder que a aparente obviedade da influência da
experiência sobre o corpo acontece porque existem certas leis psicofísicas
(i.e., leis que estabelecem uma relação entre estados físicos e fenomenais) que
determinam que certos tipos de experiências sejam seguidas por certos tipos de
ações, mas sem nenhuma relação causal. Chalmers hipotetiza que isso seria algo
como a constante de conjunção (tal como destacou David Hume em outro
contexto).
Mas se esse é o caso, o epifenomenalista nos deveria apresentar algo adicional
para aceitarmos sua posição e assim abandonarmos a noção de causação psicofísica
descendente, especialmente porque todos os seres humanos inevitavelmente
pressupõem na prática de suas atividades diárias, inclusive científicas e
filosóficas, que suas experiências sensoriais, que seus desejos, crenças e
ideias, exercem um papel causal marcante na regulação de suas ações. Talvez
o epifenomenalista se sinta um sujeito especial (quem sabe?!) e ele próprio
seja uma exceção à regra. De qualquer forma, o ônus da prova é todo seu,
especialmente o de explicar, fora de uma relação de causalidade, como e por que
existiriam conexões regulares entre certos tipos de experiência e certos
comportamentos subsequentes.
Griffin (1998) destaca essa contradição do epifenomenalista, entre teoria e
prática, nas seguintes palavras:
"O fato de que todos nós pressupomos a eficácia da experiência
consciente na prática é bem indicado por Ted Honderich, que fala do 'axioma do
carácter indispensável do mental'. A principal recomendação deste axioma, diz
ele, é 'a futilidade de contemplar a sua negação'. [...] Searle
inclui 'a realidade e a eficácia causal da consciência' (RM, 54) entre os
óbvios fatos sobre nossas mentes, endossando 'a objeção do senso comum para o
materialismo eliminativo', que é 'louco dizer que... minhas crenças e desejos
não exercem qualquer papel no meu comportamento' (RM, 48). Na verdade, é pior
do que louco. Como Honderich diz, é inútil, quer dizer, é auto-refutável, porque
o próprio ato de negar a eficácia da consciência, seja pela fala ou escrita,
pressupõe-na. Nas sarcásticas palavras de Whitehead, 'os cientistas
animados no propósito de provar que eles estão sem propósito constitui um
assunto interessante para estudo'".
3ª noção - a liberdade (no sentido
de autodeterminação parcial). Em relação as duas noções acima, a liberdade
provavelmente é o conceito mais incompatível com o materialismo. Griffin (1997[3])
observa que a razão porque a liberdade não pode ser defendida em teoria por
materialistas – embora a pressuponham na prática – é que a “mente”, segundo a perspectiva deles, não
é em nenhum sentido uma realidade distinta do cérebro com algum poder autônomo
próprio. Ele ainda observa que:
“Ainda que a indeterminação quântica seja
considerada para qualificar a antiga noção de determinismo causal absoluto,
como a indeterminação de trilhões de partículas poderiam ser responsáveis por
nosso senso de liberdade nem de longe seria algo claro. Em qualquer caso, a
indeterminação das partículas ou eventos individuais é geralmente anulada em
agregados pela 'lei dos grandes números'. E, de fato, pelo menos virtualmente, todos
os materialistas negam a liberdade" (1998).
Liberdade implica na existência de escolhas
genuínas, i.e., na possibilidade de que alguém (pela menos sob algumas
circunstâncias) efetivamente pudesse determinar
um comportamento diverso daquele que foi praticado. O problema é que o
materialista diz que a realidade somente é composta de matéria/energia e tenta
explicar todo o funcionamento do Cosmos, de supernovas a você, de maneiras reducionista e previsivelmente determinista. A consequência direta é
que você teria, no máximo, a experiência
(ou sensação) de decidir algo, porém,
em verdade, o seu comportamento seria totalmente determinado pela relação
entre as estruturas e microcomponentes físicos que o compõem e o meio externo.
Como Griffin (1997) coloca:
“[...] o materialismo não pode afirmar o
tipo de liberdade que é pressuposta em nossas noções de responsabilidade
humana. Ele não pode falar de um centro ou self que é capaz de
autodeterminação, um self que, numa dada situação, poderia ter optado por agir
de maneira diferente do que ele fez. A negação de tal self é, naturalmente,
parte da negação de uma "mente" ou "alma" que é distinta do
cérebro. Materialistas podem, com certeza, reconhecer que nós estamos
envolvidos em uma atividade que chamamos de tomada-de-decisão. Mas eles têm de
considerar a tomada-de-decisão como um efeito (ou melhor, um concomitante) dos
processos físicos que constituem o cérebro, e não como uma atividade que é
parcialmente autônoma e que pode retribuir influência para aqueles processos
cerebrais, orientando assim os movimentos dos membros, língua e da laringe de
alguém."
Em Unsnarling the World-Knot (p.
39), ele observa que Searle, abordando o tema da liberdade, também fez uma diferenciação parecida entre as noções de
senso comum suave e rígido, pontuando que o último, ao
contrário do primeiro, é inevitavelmente
pressuposto na prática. Searle diz:
"Nós não navegamos a Terra sob a
assunção de uma Terra plana, ainda que a Terra pareça plana, mas nós agimos
sob a assunção da liberdade. De fato, nós não podemos agir de outra
forma do que sob o pressuposto da liberdade, não importa o quão nós aprendamos
sobre como o mundo funciona como um sistema físico determinado" (apud,
1998).
Griffin em seguida acrescenta que a prática da própria atividade científica
milita contra o determinismo:
“[...] Na verdade, se nós estamos
falando sobre a prática da própria ciência - por exemplo, sobre os tipos de
esforços que vão tentar fazer uma grande descoberta que irá ganhar um Prêmio
Nobel, então é claro que a prática científica, longe de pressupor o
determinismo, na verdade, pressupõe o contrário. Os cientistas, por exemplo,
muitas vezes trabalham dezoito horas por dia, tentando fazer as desejadas
descobertas antes que os cientistas de um laboratório rival as consigam fazer.
Ainda no que diz respeito às entidades que os cientistas estudam, não é o caso
de os cientistas pressuporem necessariamente que elas sejam estritamente
determinadas. Isso obviamente ocorre na psicologia (humana). Mas também não há
necessidade de que os etólogos assumam que os comportamentos dos objetos de seu
estudo, como gorilas, golfinhos, ou até mesmo ratos, sejam totalmente
determinados”.
3. Discussão sucinta e conclusão
Griffin nos concede outros exemplos de noções universais inevitavelmente
pressupostas na prática, mas, diferentemente das três noções anteriores, elas
são referendadas por (quase) todos os seres humanos (inclusive os
materialistas). Abaixo forneço um exemplo em que há essa conciliação de uma ideia ser implicitamente adotada na prática e também explicitamente defendida na teoria.
A existência real de um mundo externo
é algo que todos nós implicitamente pressupomos na regulação de nossas
atividades. Você acredita que os objetos externos têm uma existência em si
mesma, independentemente de você percebê-los; que a lua, o céu, as estrelas e
as outras pessoas não são virtualidades projetadas por seu inconsciente. Você
acredita que “tudo que está lá fora” não nasceu “de dentro de você”. Há,
contudo, uma minoria de pessoas que verbalmente defende o contrário e adota uma
posição filosófica conhecida por solipsismo
(i.e., o solipsista restringe a realidade a apenas ao seu ‘eu’
experienciado). Se você fosse um solipsista - experiencialmente falando - o seu
mundo seria exatamente igual ao mundo que você vê agora (haveria até mesmo
impostos e os mesmos políticos corruptos!).
Agora, a razão filosófica porque o solipsismo não deve ser levado a sério é porque
o próprio solipsista não o leva a sério. Ele diariamente contradiz sua teoria
em todas as atividades que participa. Até mesmo quando tenta defender sua
posição contra o criticismo (ou ele estaria tentando convencer a si mesmo!?).
Se pararmos para analisar, o solipsismo, enquanto teoria, não padece
internamente de nenhuma inconsistência lógica, mas o solipsista, no mínimo,
trapaceia sua própria teoria. O mesmo se diga para os materialistas eliminativos (quanto à realidade da experiência
consciente); para epifenomenalistas
(no que diz respeito ao papel causal da consciência) e para todas as espécies de materialistas (no
que tange à liberdade da vontade ou de autodeterminação parcial). Na prática,
todos eles inevitavelmente traem as teorias que verbalmente defendem.
Você poderia discordar de mim e argumentar que a razão de o solipsismo
não ser levado a sério é porque ele não é (cientificamente) testável, ou seja,
porque o solipsismo implica numa alegação irrefutável (ou não falseável). Você
poderia ainda alegar que existem teorias materialistas testáveis que apontam
para a falsidade da realidade e papel causal da experiência e da liberdade, então não seria o caso de
comparar o solipsismo com o materialismo. Para isso tenho duas considerações:
1ª- o debate da relação mente-cérebro (ao contrário do que alguns podem pensar)
é eminentemente metafísico, como quase (senão todas) as questões ontológicas. Não
existe uma teoria científica materialista para o problema mente-cérebro. Tudo o
que há são especulações metafísicas. Nossa ciência de hoje é sobejamente
materialista não por razões ‘de evidência’, mas por razões ‘de ideologia’, uma
que veio sendo forjada gradativamente desde a Revolução Científica do século
XVII;
2ª- dizer que uma alegação é não-falseável excluiu sua cientificidade, contudo,
não a retira do leque de opções metafísicas que continuam com chances de
responder pela realidade final do Universo. A conclusão disso é uma limitação
da metodologia da própria ciência: ela é incapaz de lidar com as hipóteses que
se ajustam aos fatos observados, mas que não podem (pelo menos no momento)
serem refutadas. Existe então um certo pragmatismo na ciência e desse
ponto, acredito, nem os próprios materialistas irão discordar.
A relevância das crenças
de senso comum rígido – acredito - seria então de dar um passo além desse
critério de falseabilidade popperiano;
elas consubstanciam uma interessante ferramenta para nos orientar tanto sobre
as nossas interpretações dos experimentos científicos quanto sobre as
especulações metafísicas direcionadas a questões ontológicas, atingindo assim
uma área que até mesmo a ciência é incapaz de alcançar. Como Griffin coloca:
elas funcionam “como uma bússola a
dizer-nos quando estamos saindo do curso”.
E por que deveria ser assim? Por que as noções de senso comum rígido
deveriam ser tomadas como o critério final de julgamento de adequação de uma teoria?
Griffin responde que a primeira regra da razão é o princípio da
não-contradição. Uma posição que é autocontraditória não pode ser verdadeira. Ele
entende que, se nós rejeitarmos em nossas filosofias explícitas qualquer daquelas
noções que inevitavelmente pressupomos na prática, nós necessariamente entramos
em autocontradição entre nossas ideias explícitas e implícitas. Acrescenta
ainda que, se nós não podemos deixar de pressupor aquelas noções de senso
comum rígido (incluindo a realidade
e papel causal da consciência e a liberdade), “este fato provê uma devastadora razão para considerarmos que tais
noções são verdadeiras”, o que é ignorado muitas vezes porque o senso comum rígido é meramente rejeitado
em nome de crenças de senso comum suave.
Griffin (1998) ainda observa que, nesta era relativista, muitos filósofos “tenderão a suspeitar (se não rejeitar de
antemão) da ideia de que existem noções ou pressuposições universais.” Depois observa que,
quando tais filósofos perceberem que certa noção universal não pode ser refutada
simplesmente apontando que é provável que toda noção "óbvia" foi
negada por alguém (porque a alegação é sobre pressuposições na prática, e não sobre
crenças explícitas ou verbais) - muitos ainda resistirão e vão querer colocar o ônus da prova naqueles que
alegam as pressuposições universais. Griffin
então rebate dizendo que:
“Nenhuma alegação universal, é claro,
pode ser provada por qualquer número de exemplos. Mas uma alegação universal
pode ser refutada por um único exemplo negativo: como William James disse,
basta apenas um corvo branco para provar que todos os corvos não são negros.
Portanto, o ônus realmente está sobre aqueles que negam a afirmação
universal. Eles precisam chegar a pelo menos um exemplo de alguém,
talvez a si próprios, capaz de viver sem pressupor a noção [universal] (...)".
E conclui:
“[...] enquanto as alegações de tais
noções sobrevivem a todas as tentativas de as refutar, elas [...] devem ser consideradas como os critérios
finais para julgar a adequação de uma teoria, e isso
por uma simples razão: se não podemos deixar de pressupor essas noções na
prática, incluindo na prática da experimentação científica e de construção
teórica, somos culpados de autocontradição se a nossa teoria nega essas noções."
[1]
Griffin, David Ray. Unsnarling the
World-Knot: Consciousness, Freedom, and the Mind-Body Problem. Berkeley,
Calif: University of California Press,
c1998 1998. http://ark.cdlib.org/ark:/13030/ft8c6009k3/
[2] Chalmers, David J. The character of consciousness. Oxford
University Press, Inc, New York.
[3] Griffin, David Ray. Parapsychology, Philosophy and
Spirituality: a postmodern exploration. Ed. State University of New York.
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