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“Esta questão sobre a emergência da consciência com todas as suas propriedades qualitativas é o famoso "problema difícil”; a ciência está sem pistas sobre como explicar a consciência a partir da realidade física. Deste modo, num recente livro de Alva Noë (2009), elogiado por Oliver Sacks e Daniel Dennett, lemos no Prefácio: "após décadas de esforços concentrados por parte de neurocientistas, psicólogos e filósofos, apenas uma proposta sobre como o cérebro nos torna conscientes - como ele dá origem a sensação, sentimento, subjetividade - emergiu de forma incontestável: não temos a menor ideia" (p xi.). Se assim for, gostaria de, em seguida, dizer que estamos tanto autorizados a considerar a mente como o nosso ponto de partida básico como estamos de assumir que a ciência física irá um dia explicar as origens da mente; depois de um período prolongado de materialismo promissório infrutífero, a opção não-emergente parece perfeitamente válida”. (Michael Grosso, 2015, in Beyond Physicalism: Toward Reconciliation of Science and Spirituality).
A experiência é considerada o verdadeiro ‘problema difícil’' (“hard problem”) da consciência. O
problema só é difícil (e, para alguns, intratável!) diante da insistência em
explicá-la sob uma perspectiva materialista. Nas linhas abaixo tentarei resumir
porque o materialismo não tem sequer um ponto de partida para explicar a experiência,
e porque abordagens não-reducionistas parecem fazer muito mais sentido.
Explicações não-reducionistas colocam a experiência numa posição
privilegiada na natureza, elevando-a ao status de um primitivo ontológico, i.e, uma entidade/propriedade fundamental no Cosmos, tal
como cargas e forças eletromagnéticas, massa e espaço-tempo. Também levantarei
alguns problemas com a perspectiva não-reducionista pampsiquista de David
Chalmers e sinalizarei alguns tópicos de pesquisa empírica que andam levando
importantes cientistas e teóricos a passar a admitir a falsidade do
materialismo mecanicista-reducionista até mesmo para lidar com os 'problemas fáceis' da consciência.
Antes de começarmos, faço três observações preambulares para a inteligibilidade do tema:
1ª - A experiência é um fenômeno associado à consciência, mas é comum na literatura vermos a palavra consciência como sinônimo de experiência. Isso pode levar a muitas confusões, porque a consciência engloba muitos outros fenômenos além da experiência, tais como percepção, reportabilidade, memórias, estados intencionais (crenças, desejos, etc.), vontade, aprendizagem, comportamento, etc.;
2ª - O vocábulo consciência no presente texto, todavia, possui um alcance muito mais restrito, tendo sua noção central no significado de experiência subjetiva, a qual abrange, por exemplo, todas as experiências sensoriais (visuais, auditivas, tácteis, etc.); as sensações corporais (dor, fome, fadiga, etc.); o imaginário mental (a experiência de recordar uma percepção visual); os estados emocionais (a experiência de sentir alegria, tristeza, raiva, etc.); as experiências de pensamento (a exemplo das sensações de refletir e decidir, de sentir liberdade e de ter responsabilidade pessoal, etc); a sensação de autoconsciência, etc. (todas estas ilustrações vêm de Chalmers - com alguns acréscimos pessoais - e constituem inequívocos estados de experiência consciente);
3ª - Outros termos menos ou não-ambíguos habitualmente mencionados como sinônimos de experiência são ‘subjetividade’; ‘vida interna’; ‘qualidade subjetiva da consciência’; o aspecto ‘fenomenal’ da mente ou a ‘característica fenomenal’ do mundo; a palavra comparativa latina ‘qualia’ (“tal como”); a expressão de Thomas Nagel ‘como é ser aquele Ser'; e o ‘problema difícil da consciência’. Para evitar equívocos, tentarei sempre utilizar uniformemente o vocábulo experiência, porém, algumas citações de autores ao longo do texto podem trazer um dos outros termos acima para expressar exatamente o significado de experiência, inclusive a palavra consciência ou a expressão experiência consciente.
Antes de começarmos, faço três observações preambulares para a inteligibilidade do tema:
1ª - A experiência é um fenômeno associado à consciência, mas é comum na literatura vermos a palavra consciência como sinônimo de experiência. Isso pode levar a muitas confusões, porque a consciência engloba muitos outros fenômenos além da experiência, tais como percepção, reportabilidade, memórias, estados intencionais (crenças, desejos, etc.), vontade, aprendizagem, comportamento, etc.;
2ª - O vocábulo consciência no presente texto, todavia, possui um alcance muito mais restrito, tendo sua noção central no significado de experiência subjetiva, a qual abrange, por exemplo, todas as experiências sensoriais (visuais, auditivas, tácteis, etc.); as sensações corporais (dor, fome, fadiga, etc.); o imaginário mental (a experiência de recordar uma percepção visual); os estados emocionais (a experiência de sentir alegria, tristeza, raiva, etc.); as experiências de pensamento (a exemplo das sensações de refletir e decidir, de sentir liberdade e de ter responsabilidade pessoal, etc); a sensação de autoconsciência, etc. (todas estas ilustrações vêm de Chalmers - com alguns acréscimos pessoais - e constituem inequívocos estados de experiência consciente);
3ª - Outros termos menos ou não-ambíguos habitualmente mencionados como sinônimos de experiência são ‘subjetividade’; ‘vida interna’; ‘qualidade subjetiva da consciência’; o aspecto ‘fenomenal’ da mente ou a ‘característica fenomenal’ do mundo; a palavra comparativa latina ‘qualia’ (“tal como”); a expressão de Thomas Nagel ‘como é ser aquele Ser'; e o ‘problema difícil da consciência’. Para evitar equívocos, tentarei sempre utilizar uniformemente o vocábulo experiência, porém, algumas citações de autores ao longo do texto podem trazer um dos outros termos acima para expressar exatamente o significado de experiência, inclusive a palavra consciência ou a expressão experiência consciente.
Pois bem, “não existe nada que conhecemos tão
intimamente quanto a experiência consciente, mas não existe nada tão difícil de
explicar", assim declarava o filósofo australiano David Chalmers há 20
anos. E continuou: "todos os
tipos de fenômenos mentais têm se entregado à investigação científica nos
últimos anos, mas a consciência tem teimosamente resistido. Muitos tentaram
explicá-la, mas as explicações parecem sempre ficar aquém do alvo. Alguns foram
levados a supor que o problema é intratável e que nenhuma boa explicação pode
ser dada.”[1].
Mas
o que Chalmers quer dizer com ‘experiência
consciente’? Para entendê-la e saber porque ela é tão difícil de explicar,
você tem que tomar o problema da experiência
sob o ponto de vista de um materialista e
sempre tentar explicá-la a partir de funções desempenhadas por estruturas
físicas de nível mais baixo, pois “de
acordo com o atual estado da arte do materialismo, o principal elemento da
realidade é um conjunto relativamente pequeno de partículas subatômicas
fundamentais descritas no então chamado modelo padrão da física de partículas.
Estas partículas são referidas como 'primitivos' ontológicos: são blocos de
construção básicos do materialismo para a construção de tudo o que há na
natureza, de galáxias a cadeiras, de você a mim”, pontuou Bernardo Kastrup
(2014)[2].
E continuou:
“Em
outras palavras, devemos ser capazes de construir explicações para cada objeto
ou fenômeno na natureza em termos da dinâmica destas partículas subatômicas;
como elas se movem e interagem umas com as outras. O problema é que o
materialismo normalmente assume que estas partículas subatômicas são
desprovidas de consciência”.
Considere,
por exemplo, as inúmeras atividades de processamento de informações de seu hardware de computador, todas elas
realizadas pelo funcionamento
conjunto de pequenos a microcomponentes arranjados de formas especializadas.
Seu computador recebe diversos inputs,
tais como aqueles enviados pelo usuário através dos periféricos de entrada,
pela internet, aqueles captados
através de mídias, webcams ou outros
dispositivos de sensoriamento, softwares recentemente instalados, etc.
Pois bem, todos estes dados são processados internamente e, em seguida, sai uma
resposta computacional apropriada.
Da
mesma forma, cada um de nós recebe diversos inputs,
ambientais e internos, processa esses dados e executa um comportamento adequado
como resposta aos estímulos. Não é à toa que nas ciências cognitivas têm
eclodido diversas tentativas em desenvolver modelos
computacionais da mente (tais como o
modelo de múltiplos rascunhos, de Daniel Dennett; o da linguagem de pensamento
(LOT), de Jerry Fodor; a Psicologia Cognitiva, de Ulric Neisser; o
"instinto de linguagem", de Steven Pinker; o funcionalismo de Hilary
Putnam e a teoria computacional/representacional do Pensamento, de Georges
Rey). Contudo, no que se refere a nós, existe um componente extra e que vem em
paralelo àquele processamento consciente dos estímulos. Esse componente é a experiência. Conforme Chalmers coloca “Por que é que quando os nossos sistemas
cognitivos se envolvem no processamento de informações visual e auditiva, nós
temos experiências visual ou auditiva: a qualidade do azul profundo, a sensação
do Dó central? Como podemos explicar por que existe algo que é como entreter
uma imagem mental, ou experimentar uma emoção?”.
Lembre-se
novamente: dentro de uma perspectiva materialista, nós somos equiparados a uma
máquina e realmente muitas analogias a sistemas artificiais encaixam-se
perfeitamente ao nosso funcionamento. Por exemplo, considere nossas capacidades
de discriminar e classificar; de reagir a estímulos ambientais; de
cognitivamente integrar informações e armazená-las; de reportar estados mentais
e acessar estados internos; de focar atenção e controlar o comportamento. Como
Chalmers observa, todos esses fenômenos são associados à consciência e são
vulneráveis a explicações em termos de mecanismos computacionais ou neurais, e
por isso categorizados como os 'problemas
fáceis' da consciência (ou "easy problems").
Explicar
o armazenamento de informações e acesso, por exemplo, é apenas explicar como um
sistema, artificial ou biológico, pode reter novas informações e em seguida
recuperá-las deliberadamente. Para elucidar os estímulos ambientais, basta
explicar como um sistema é capaz de ser afetado por inputs externos e utilizar estas informações para apresentar uma
resposta ou comportamento posterior. Da mesma forma, para a discriminação e
classificação, tudo o que é necessário é saber como estruturas físicas
desempenham funcionalmente tais capacidades, e assim vai para todos aqueles
fenômenos acima.
Por
mais que seja difícil elucidar como sistemas biológicos possam engajar tais
tarefas, existe claramente um ponto de partida que permite explicações
reducionistas, bastando que neurocientistas expliquem, dentro de uma cadeia de
causalidades, como estruturas de nível mais baixo funcionam de maneiras especializadas
para dar causa a propriedades de nível superior. Agora, a lacuna explanatória
para o materialista é: por que a execução de todos os fenômenos conscientes
acima arrolados é acompanhada de experiência? "Por que todo
esse processamento de informação não acontece 'no escuro', livre de qualquer
sensação interior? Por que é que quando ondas eletromagnéticas colidem com uma
retina e são discriminadas e classificadas por um sistema visual, a
discriminação e categorização são experimentadas como uma sensação de vermelho
vivo?", indaga Chalmers.
Colocando
de outro modo o problema para o materialista, apresento as seguintes
indagações: por que nós - tais como sistemas artificiais de computação -
que teoricamente também seríamos feitos de bilhões de unidades
sem-experiência (neurônios, etc.), quando engajamos o processamento de
informações (semelhantemente a uma CPU), somos capazes de experimentar
sensações, como a experiência de enxergar e de sentir dor, a angústia de um
arrependimento, a experiência de um fluxo de pensamento reflexivo, a sensação
qualitativa de um estado de medo ou de alegria? Por que, repita-se, o
processamento de informação não acontece 'no escuro', da mesma forma que em seu
microcomputador? Como pode a experiência emergir da união de bilhões de
microcomponentes inexperienciais?
Para
deixar tudo muito claro, vamos mais além. Considere hardwares que processam enormes quantidades de vídeo-imagem, tais
como os veículos espaciais autônomos que são dotados de sensores de visão. Tais
equipamentos são capazes de se deslocar de forma independente, desviar de
obstáculos (o que implica em alguma forma de percepção), registrar dados
coletados e gerar relatórios com base nas imagens captadas e realizar outras
tarefas com suporte em sensores de captura de vídeo-imagem. Os sensores de
visão desses veículos possuem estruturas que discriminam e classificam formas,
tamanhos e outras características dos objetos externos a partir das ondas eletromagnéticas
recepcionadas em estruturas fotorreceptoras. O funcionamento é complexo e o
esboço acima certamente é uma caricatura do sistema de "visão
artificial" desses veículos, contudo, suficiente para o seguinte ponto que
desejo destacar: o mecanismo da visão humana, sob uma perspectiva
materialista, não é e nem pode ser ontologicamente diferente disso tudo, no
entanto, nós temos algo adicional que os equipamentos com sistema de visão
artificial, a toda evidência, não possuem: a
experiência de enxergar.
Você
pode ser tentado a dizer que nosso sistema visual é muito mais complexo e
desenvolvido do que o daquelas máquinas e que provavelmente com os avanços
tecnológicos adequados um dia elas também terão a experiência da visão. Mas a questão é: qual tipo de estrutura ou função deve ser incorporada àquelas máquinas
espaciais para emergir a experiência de enxergar? Você pode colocar
estruturas que ampliam a resolução e velocidade de captação das imagens;
melhorar a funcionalidade de discriminação e classificação óptica; desenvolver
as estruturas de processamento das imagens; incrementar a reportabilidade dos
dados obtidos e a eficiência das respostas aos estímulos externos para que elas
sejam sempre de formas apropriadas e imediatas. Mas novamente: o que deve ser incorporado ao sistema para
causalmente produzir a experiência de enxergar?
Se é
difícil entender como poderíamos fazer um sistema artificial ter a experiência em primeira pessoa de enxergar,
não é menos tormentoso tentar explicar, sob bases exclusivamente materialistas,
como nós próprios podemos ter a experiência da visão. A dificuldade é
exatamente a mesma! Sobre a esperança de que os avanços da neurofisiologia
podem um dia propiciar alguma resposta para o problema da experiência, Chalmers
diz que essas descobertas “podem
ajudar-nos a fazer progressos significativos na compreensão da função cerebral [como
prover uma nova abordagem sobre as dinâmicas da função cognitiva], mas para todo processo neural que
isolarmos, a mesma pergunta sempre surge [por que esse processo deveria dar
origem à experiência?]. É difícil imaginar o que um defensor da
nova neurofisiologia espera que aconteça para além da explicação de outras
funções cognitivas. Não é como se nós, de repente, descobríssemos um brilho
fenomenal dentro de um neurônio!”
A
total inabilidade do materialismo em responder tais questões é que tem alçado a
experiência à categoria de o 'problema
difícil' da consciência. A emergência da experiência simplesmente
não pode ser deduzida a partir do funcionamento das estruturas físicas de nível
mais baixo. Em outras palavras: o que faz a experiência ser considerada
um problema difícil para o materialista é que ele não sabe nem que tipo de
estrutura, função ou dinâmica deveria existir para explicá-la! Se
admitirmos por um momento o materialismo como verdade, a emergência da experiência
a partir de uma base física seria um grande
mistério. Kastrup deixa bem claro esse ponto quando diz:
“O problema aqui é que, a menos que se
esteja preparado para aceitar a mágica, as propriedades emergentes de um
sistema complexo devem ser dedutíveis a partir das propriedades dos componentes
de nível mais baixo do sistema. Por exemplo, podemos deduzir - e até mesmo
prever - a forma das ondulações de areia a partir das propriedades dos grãos de
areia e do vento. Nós podemos colocar tudo isso num programa de computador e
assistir as ondulações de areia simuladas serem formadas na tela de computador
e que parecem exatamente como a coisa real. Mas, quando se trata de
consciência, nada nos permite deduzir as propriedades da experiência subjetiva
- a vermelhidão do vermelho, o amargor do arrependimento, o calor do fogo - a
partir da massa, momento, rotação, carga, ou qualquer outra propriedade das
partículas subatômicas saltitando em torno do cérebro. Este é o problema
difícil da consciência".
Então,
se explicações reducionistas são destinadas a ser uma rota fracassada para
chegarmos a uma solução sobre o hard
problem da consciência, passa a ser coerente desenvolver teorias baseadas
na experiência como um fenômeno
irredutível na natureza, tal como massa, carga ou espaço-tempo. Uma coisa é
certa e todos os filósofos estão de acordo: explicações reducionistas devem
parar em algum lugar. Em determinado momento dentro de uma cadeia de causalidades nós devemos chegar a entidade mais básica ou fundamental. Tais entidades são consideradas primitivos ontológicos e delas não se exige explicações fundadas na
decomposição em subunidades. Elas são consideradas os blocos básicos de
construção de toda a realidade e é a partir delas que os fenômenos de níveis
mais alto de complexidade na cadeia são esclarecidos. Nessa esteira, a experiência parece ser exatamente o tipo
de fenômeno a ser categorizado como um primitivo
ontológico.
A
saída de Chalmers é tomar a experiência como algo irredutível na natureza,
porém dependente de processos físicos. Ele de um certo modo aceita o dogma do
paradigma científico atual e declara “nós
sabemos que a experiência depende de processos físicos, mas nós sabemos
que essa dependência não pode ser derivada somente a partir de leis físicas”.
Chalmers se preocupa em alertar que “não
há nada particularmente espiritual ou místico sobre essa teoria” e
classifica sua hipótese de dualismo
naturalístico. A noção dele a respeito da experiência envolve o conceito de informação:
“[...] que a informação (ou, pelo menos, alguma informação) tem dois aspectos
básicos, um aspecto físico e um aspecto fenomenal. Isso tem o status de um
princípio básico que pode ser subjacente e explicar o surgimento da
experiência a partir do físico. Experiência surge em virtude de seu status
como um dos aspectos da informação, enquanto o outro aspecto é achado
incorporado na transformação física [...]
Somos
levados a uma concepção do mundo em que a informação é verdadeiramente
fundamental e tem dois aspectos básicos, um que corresponde ao físico e o outro
que corresponde às características fenomenais do mundo”.
Seja
como for, Chalmers reconhece que sua posição é extremamente especulativa e
indeterminada, deixando várias questões em aberto. Por exemplo, será que todas
as informações possuem um aspecto fenomenal, i.e., que fazem emergir a experiência? Ele também admite que sua hipótese pode ser
contraintuitiva:
“Uma
pergunta óbvia é se toda a informação tem um aspecto fenomenal. Uma
possibilidade é que precisamos de uma restrição adicional sobre a teoria
fundamental, indicando apenas qual tipo de informação tem um aspecto fenomenal.
A outra possibilidade é que não existe tal limitação. Se não, então a
experiência é muito mais difundida do que poderíamos acreditar, à medida que
informação está em toda parte. Isso é contraintuitivo à primeira vista, mas, ao
se refletir, a posição ganha uma certa plausibilidade e elegância. Onde existe
processamento de informações simples, há experiências simples, e onde há um
processamento de informações complexas, há experiências complexas. Um rato tem
uma estrutura de processamento de informações mais simples do que um ser humano
e tem experiências correspondentemente mais simples; pode um termostato, uma
estrutura de processamento de informação maximamente simples, ter experiência
maximamente simples? Com efeito, se a experiência é verdadeiramente uma
propriedade fundamental, seria surpreendente ela surgir a partir de agora; a
maioria das propriedades fundamentais está mais uniformemente distribuída. Em
qualquer caso, esta é mais uma questão em aberto, mas eu acho que a posição não
é tão implausível como muitas vezes se pensa”.
Questões
adicionais devem ser mencionadas. Por exemplo, o que faz uma informação ser uma
informação? Informação tem uma existência efêmera e só existe durante o
processamento? O aspecto fenomenal da informação não poderia existir antes de ela "colidir" com um sistema físico de processamento cognitivo? Esse
processamento tem que atingir o nível de semântica ou basta sintaxe? E o
principal: como poderíamos levar a hipótese para além de uma discussão
metafísica e desenvolver condições científicas de testabilidade?
O
problema mais claro com esse tipo de abordagem pampsiquista é que ela ou
exige que coloquemos uma linha arbitrária para separar informações que tenham
aspectos fenomenais daquelas que não têm, ou então, que aceitemos que quaisquer
sistemas com capacidade de processamento, ainda que bastante rudimentar, tenham
qualidades experienciais. No primeiro
caso, a arbitrariedade parte da ausência de um critério suficientemente idôneo
para separar informações fenomenais das não-fenomenais. No segundo caso, somos
obrigados a aceitar que sistemas que não demonstram o menor indício de possuir experiência tenham experiência, e isso vai desde seu relógio de pulso ao termostato de
Chalmers. Você pode ficar inclinado a dizer que não é capaz de ter certeza que
alguém, além de você, tem experiência,
afinal, “zumbis filosóficos” podem estar em todos os cantos. Mas a questão não
é ‘ter certeza’, mas ‘poder ser inferido’. Todas as outras
pessoas, e muitos outros seres vivos, comportam-se de maneiras que nos permitem
‘inferir’ que tenham experiências.
Eles realmente parecem sentir dor e prazer, experimentar emoções, ter
experiências sensoriais, etc. Agora, você não pode dizer o mesmo de seu
computador, caso contrário - parafraseando Kastrup -
seria preciso pensar duas vezes antes de o desligar.
Chalmers sem dúvida tem o mérito de fazer o
ataque mais devastador contra a suficiência do materialismo-reducionista para o
problema da experiência. Ninguém foi tão persuasivo em demonstrar que
incorporar mais estrutura e dinâmica aos sistemas só renderá estrutura e
dinâmica mais complexas, contudo, não dirá nada porque elas são acompanhadas de
experiência. No entanto, na hora de desenvolver sua própria teoria, ele
aceita a promessa do materialismo de que no futuro todos os problemas fáceis da consciência serão
respondidos pelas ciências cognitivas[3],
e isso claramente influencia sua teoria da experiência
baseada na informação, que no final
das contas não deixa de ser uma versão de materialismo levemente mitigado: aceita-se
para todos os fenômenos mentais explicações reducionistas, a exceção da experiência, mas que no fim, para
existir, algum sistema físico deve estar processando informação! Conforme
novamente observou Kastrup:
“Sob
o materialismo, se você não consegue explicar a consciência em termos de
dinâmicas emergentes de partículas subatômicas inconscientes, você deve então
postular que a consciência é em si uma propriedade fundamental - como carga
elétrica, massa ou spin - de todas as partículas. Então você deve acreditar que
todos os arranjos de matéria - de partículas subatômicas a moinhos de vento e
dispositivos eletrônicos - são conscientes em diferentes graus. Esta é outra
implicação oculta do materialismo que a maioria das pessoas não está ciente, e
isso implica uma explosão insondável de entidades conscientes na natureza. O
problema com o pampsiquismo, é claro, é que existe precisamente zero de
evidência de que qualquer objeto inanimado é consciente. Para resolver um
problema teórico e abstrato da metafísica materialista, alguém é forçado a
projetar em toda a natureza uma propriedade - i.e., a consciência - que a
observação somente permite ser inferida para um pequeno subconjunto dela - isto
é, os seres vivos. Isto é, de certo modo, uma tentativa de fazer a natureza
conformar com a teoria, em vez de fazer a teoria conformar com a natureza”.
Atualmente
diversos teóricos e pesquisadores já estão indo além do problema da experiência
e apontam severas dificuldades para o materialismo responder até mesmo pelos problemas fáceis da consciência. Por
exemplo, atualizações robustas da teoria da transmissão de William James
(1898)[4]
e Frederic Myers (1903)[5]
podem ser encontradas em Edward Kelly et.
al. (2007[6]; 2015[7])
e, de fato, muitos tópicos hoje já lançam um desafio empírico à convencional
teoria da relação mente-cérebro, tais como:
(i) os casos reportados sobre a
persistência de estados mentais organizados quando a atividade cerebral esteve
aparentemente cessada ou, no mínimo, bastante prejudicada, tais como os
inúmeros relatos de experiências de quase-morte (EQMs), alguns deles muito bem
documentados e com riqueza de detalhes;
(ii) as experiências místicas e
psicodélicas que liberam capacidades mentais superiores, a exemplo do
incremento na velocidade de leitura e de habilidades cognitivas, além de
incursões psi;
(iii) os reportes de casos de
influências psicofisiológicas extremas (alguns
exemplos extremos de placebo, sugestibilidade hipnótica com efeitos
fisiológicos imediatos, impressões maternais, cura a distância, casos de crianças
que alegam lembranças de vidas passadas e que carregam marcas de nascença correspondentes a marcas existentes na
pessoa que alega ter sido sua vida prévia; casos experimentais de influência
mental sobre sistemas vivos e de psicocinese).
(iv) os exemplos de desordem de
múltiplas personalidades e de transe mediúnico que, em certos episódios,
parecem desafiar as teorias convencionais da função global do cérebro [8];
(v) a incongruência da perspectiva
neurocomputacional para explicar sujeitos prodígios e savantes;
(vi) o desafio das correntes principais
da psicologia e da filosofia para explicar como o cérebro poderia ter
intrinsecamente capacidades semânticas e assim sustentar estados mentais intencionais (tais como crenças e
desejos), estabelecendo representações
das coisas, tudo isso sem invocar por detrás das cenas o “usuário”[9];
(vii) as dificuldades para explicar o
mecanismo da memória e, sobretudo,
superar o quase (ou senão insuperável) obstáculo filosófico do raciocínio
circular[10].
(viii) A realidade de fenômenos psi. Enquanto muitas pessoas bem
instruídas do ponto de vista formal/institucional podem ficar desconfortáveis
com esse assunto, a evidência hoje acumulada dos fenômenos de percepção
extrassensorial e psicocinese é devastadora! Para um resumo, veja meu outro
blog: www.debatepsi.com. A realidade de Psi simplesmente
destrói a versão materialista convencional sobre a percepção humana.
Para
o bem ou para mal, o que ocorre é que, na prática, “a maioria dos cientistas em atividade nunca considera a questão da
ontologia”, observou Michael Levin (2000)[10].
E continuou: “a questão sobre se existe
uma alma imaterial está simplesmente fora do âmbito das atividades diárias da
mesa de trabalho de um físico ou de um neurobiologista. Porém, quando
questionados, a maioria dos cientistas empacaria na possibilidade e continuaria
sustentando que o mundo só contém coisas físicas”.
Isso
acontece porque já ao longo de muitas gerações - por mais que possamos ter nossas
crenças pessoais e sectárias, filosóficas e religiosas - a instrução formal que
nos é passada na escola e nas universidades segue a corrente ortodoxa da
ciência a qual prega que não somos nada mais do que máquinas feitas de carne,
robôs biológicos com uma existência sem significado e que habitam um universo
vazio de propósito. Essa perspectiva sobre a Realidade, infelizmente, é passada como se fosse um dado
científico, quando, em verdade, é pura metafísica! Seja como for, muitos
seres humanos têm sido bem adestrados, tais quais os cães de Pavlov, e o dogma
vem se perpetuando.
[1] Facing
Up to the Problem of Consciousness. Journal of Consciousness Studies
2(3):200-19, 1995.
[2] Why
Materialism Is Baloney: How True Skeptics Know There Is No Death and Fathom
Answers to life, the Universe, and Everything. Iff Books (25 de Abril,
2014).
[3] “Se esses fenômenos [easy problems]
fossem tudo o que há para a consciência, então a consciência não seria um
grande problema. Embora ainda não se tenha nada próximo a uma explicação
completa sobre esses fenômenos, nós temos uma ideia clara de como podemos
explicá-los. É por isso que eu chamo estes problemas, de os problemas fáceis.
Claro, "fácil" é um termo relativo. Obtendo os detalhes corretos,
levará de um a dois séculos de custoso trabalho empírico. Ainda assim, há toda
razão para acreditar que os métodos da ciência cognitiva e da neurociência vão
ter sucesso”.
[6] Irreducible
Mind: Toward a Psychology for the 21st Century.
[7] Beyond
Physicalism: Toward Reconciliation of Science and Spirituality.
[8] Edward F. Kelly et. al., no artigo Empirical Challenges to Conventional Mind-Brain Theory, colocam: "apesar de os psicólogos reconhecerem que pessoas, com treinamento adequado, podem executar simultaneamente mais coisas do que elas costumam supor, essa generalização se aplica principalmente para coisas relativamente divergentes e visivelmente falha a medida que as tarefas simultâneas tornam-se cada vez mais complexas e mais similares. No entanto, um grande corpo de críveis evidências, algumas datadas do final do século XIX, demonstra que 'sistemas cognitivos', entidades psicológicas dissociadas e indistinguíveis de mentes conscientes ou personalidades completas como normalmente compreendemos, às vezes podem ocupar o mesmo organismo simultaneamente, continuando em suas variadas existências como se estivessem em paralelo, e em grande parte fora da consciência primária do dia-a-dia. Em essência, a estrutura que a psicologia cognitiva convencionalmente retrata como unitária, como instanciada dentro e identificada com uma organização particular dos sistemas cerebrais, pode ser funcionalmente dividida - aliás, dividida não "lado-a-lado" e levando ao isolamento de capacidades cognitivas normais uma da outra, mas "de cima para baixo", levando ao surgimento e concorrência - não alternância - de operação do que parecem ser dois ou mais sistemas cognitivos completos cada um deles incluindo todas as capacidades relevantes. Personalidades emergentes 'múltiplas' ou 'alteres' também podem amplamente variar, não só no comportamento, interesses e conhecimento, mas mesmo em relação às características fisiológicas não voluntárias, tais como defeitos visuais [Miller, S. D. (1989). Optical differences in cases of multiple personality disorder. Journal of Nervous and Mental Disease, 177, 480–486; Miller, S. D., Blackburn, T., Scholes, G., White, G. L., & Mamalis, N. (1991). Optical differences in multiple personality disorder: A second look. Journal of Nervous and Mental Disease, 179, 132–135] e suscetibilidades a alergias [Putnam, F. W. (1986). The scientific investigation of multiple personality disorder. In J. M. Quen (Ed.), Split MindslSplit Brains: Historical and Current Perspectives (pp. 109–125). New York and London: New York University Press]. Ainda pior, às vezes acontece que uma dessas personalidades parece ter o acesso direto à atividade mental consciente de uma ou de mais outras, mas não vice-versa” (Department of Psychiatry and Neurobehavioral Sciences. University of Virginia 210 Tenth St. NE Charlottesville, VA USA 22902 [versão online]). Dentro de cenário mediúnico, podemos citar, por exemplo, o caso da médium bostoniana Leonora Piper. Richard Hodgson relatou sobre a sessão de 18 de março de 1895, "...uma tentativa, muito mais bem sucedida foi feita quando eu estava acompanhado para o propósito pela senhorita Edmunds. A 'falecida irmã' dela escreveu com uma mão, [o comunicador] GP com a outra, enquanto [o controle] Phinuit estava falando - todos, simultaneamente, sobre diferentes assuntos" [Lodge, Oliver (1909). The Survival of Man, Moffat, Yard and Co., New York]. Adam Crabtree, Ph.D., em Irreducible Mind (2007), ainda esclarece que “a investigação de Frank Putnam sobre a fenomenologia e fisiologia do ‘processo de troca’ em personalidades múltiplas indicou que o estado-de-mudança que ocorre quando os indivíduos trocam de uma personalidade para outra tem características em comum com as transições de estado-de-consciência observadas em crianças, estados alterados de consciência e desordens psiquiátricas [...] Posso acrescentar aqui que existe uma óbvia e intrigante semelhança fenomenológica entre o processo de mudança em MPD e as mudanças de estado que ocorrem no início e término do transe e possessão mediúnicos. Parece haver boas razões para antecipar que todas essas manifestações de personalidades secundárias têm muito em comum e podem utilmente serem estudadas de formas paralelas”.
[8] Edward F. Kelly et. al., no artigo Empirical Challenges to Conventional Mind-Brain Theory, colocam: "apesar de os psicólogos reconhecerem que pessoas, com treinamento adequado, podem executar simultaneamente mais coisas do que elas costumam supor, essa generalização se aplica principalmente para coisas relativamente divergentes e visivelmente falha a medida que as tarefas simultâneas tornam-se cada vez mais complexas e mais similares. No entanto, um grande corpo de críveis evidências, algumas datadas do final do século XIX, demonstra que 'sistemas cognitivos', entidades psicológicas dissociadas e indistinguíveis de mentes conscientes ou personalidades completas como normalmente compreendemos, às vezes podem ocupar o mesmo organismo simultaneamente, continuando em suas variadas existências como se estivessem em paralelo, e em grande parte fora da consciência primária do dia-a-dia. Em essência, a estrutura que a psicologia cognitiva convencionalmente retrata como unitária, como instanciada dentro e identificada com uma organização particular dos sistemas cerebrais, pode ser funcionalmente dividida - aliás, dividida não "lado-a-lado" e levando ao isolamento de capacidades cognitivas normais uma da outra, mas "de cima para baixo", levando ao surgimento e concorrência - não alternância - de operação do que parecem ser dois ou mais sistemas cognitivos completos cada um deles incluindo todas as capacidades relevantes. Personalidades emergentes 'múltiplas' ou 'alteres' também podem amplamente variar, não só no comportamento, interesses e conhecimento, mas mesmo em relação às características fisiológicas não voluntárias, tais como defeitos visuais [Miller, S. D. (1989). Optical differences in cases of multiple personality disorder. Journal of Nervous and Mental Disease, 177, 480–486; Miller, S. D., Blackburn, T., Scholes, G., White, G. L., & Mamalis, N. (1991). Optical differences in multiple personality disorder: A second look. Journal of Nervous and Mental Disease, 179, 132–135] e suscetibilidades a alergias [Putnam, F. W. (1986). The scientific investigation of multiple personality disorder. In J. M. Quen (Ed.), Split MindslSplit Brains: Historical and Current Perspectives (pp. 109–125). New York and London: New York University Press]. Ainda pior, às vezes acontece que uma dessas personalidades parece ter o acesso direto à atividade mental consciente de uma ou de mais outras, mas não vice-versa” (Department of Psychiatry and Neurobehavioral Sciences. University of Virginia 210 Tenth St. NE Charlottesville, VA USA 22902 [versão online]). Dentro de cenário mediúnico, podemos citar, por exemplo, o caso da médium bostoniana Leonora Piper. Richard Hodgson relatou sobre a sessão de 18 de março de 1895, "...uma tentativa, muito mais bem sucedida foi feita quando eu estava acompanhado para o propósito pela senhorita Edmunds. A 'falecida irmã' dela escreveu com uma mão, [o comunicador] GP com a outra, enquanto [o controle] Phinuit estava falando - todos, simultaneamente, sobre diferentes assuntos" [Lodge, Oliver (1909). The Survival of Man, Moffat, Yard and Co., New York]. Adam Crabtree, Ph.D., em Irreducible Mind (2007), ainda esclarece que “a investigação de Frank Putnam sobre a fenomenologia e fisiologia do ‘processo de troca’ em personalidades múltiplas indicou que o estado-de-mudança que ocorre quando os indivíduos trocam de uma personalidade para outra tem características em comum com as transições de estado-de-consciência observadas em crianças, estados alterados de consciência e desordens psiquiátricas [...] Posso acrescentar aqui que existe uma óbvia e intrigante semelhança fenomenológica entre o processo de mudança em MPD e as mudanças de estado que ocorrem no início e término do transe e possessão mediúnicos. Parece haver boas razões para antecipar que todas essas manifestações de personalidades secundárias têm muito em comum e podem utilmente serem estudadas de formas paralelas”.
[9] Conforme já alertava o filósofo alemão
Franz Brentano, a intencionalidade é a
marca do mental. O conceito de intencionalidade em filosofia da mente
pode ser melhor esclarecido como direcionalidade,
ou seja, estados mentais – como crenças, desejos, ações e percepções - são direcionados para coisas e eventos além
deles próprios. De modo conciso, podemos dizer que a intencionalidade
intrínseca dos estados mentais funciona como um vetor semântico, capaz de
“atribuir significado” a eles próprios e as demais coisas e situações do
mundo. Por exemplo, quando eu “acredito
que amanhã irá chover”, essa crença é dirigida a algo, ou seja, “na
possibilidade de chover amanhã”. Por outro lado, ao utilizarmos vocábulos
tipicamente mentalísticos para explicar aquilo que as máquinas fazem,
verificamos que a intencionalidade é sempre atribuída pelo usuário (e nunca
intrínseca ao objeto), justamente porque máquinas são incapazes de representarem, por si sós, alguma coisa. No conceito
do filósofo John Searle, máquinas, a princípio, apenas manipulam símbolos
formais, elas não “pensam”, não “acreditam”, não “desejam”, não se
“arrependem”, não “compreendem”. Elas não carregam poderes semânticos de forma
intrínseca, os quais são sempre atribuídos pelo usuário (ou pela mente dos
programadores). Por exemplo, quando dizemos que o Word “compreende” erros ortográficos ou que o Google tradutor
“sabe” traduzir palavras do inglês, na verdade, queremos dizer que o “Word corrige erros ortográficos ‘como se’ os compreendesse” ou o “Google
tradutor traduz palavras ‘como se’
soubesse inglês”. “Compreender” e “saber” aqui são estados mentais atribuídos
metaforicamente pelo usuário, i.e., não são inerentes aos sistemas artificiais,
justamente porque máquinas não têm intrinsecamente
capacidades semânticas, logo, não são capazes de produzirem e sustentarem
estados mentais intencionais. Há muitas discussões sobre esse tema e, apesar de
o mainstream lutar com todas as
forças para explicar como cérebros poderiam criar representações das coisas por
si próprios, no fundo de suas explicações sempre tem o “usuário” camuflado para
atribuir significado.
[10] Conforme observou Sheldrake, “[...]
para que um traço de memória seja
consultado ou reativado, tem de haver um sistema de recuperação, e este sistema
precisa identificar a memória armazenada que está procurando. Para isso é
preciso reconhecê-la, o que significa que o próprio sistema de recuperação deve
ter uma memória. Há, portanto, um regresso vicioso: se o sistema de recuperação
é dotado de um armazenamento de memória, por sua vez, ele requer um sistema de
recuperação com memória, e assim por diante ad infinitum” (Sheldrake,
Rupert. The Science Delusion: Freeing the spirit of enquiry. London: Coronet,
2012).
[11] What
is the Fundamental Nature of Consciousness? International Journal of
Parapsychology, 11 (2), 123-141, 2000.